sexta-feira, 27 de maio de 2011

Olho o mundo de um trilho paralelo não sinalizado em modo intermitente e clandestino para respirar sem máscara. e aprendo devagar porque me perco a distinguir os aromas, a decifrar o código das sombras, a coar as vozes no filtro do silêncio. Distraio-me com as flores que crescem à toa pelas bermas, mas não me detenho nos trevos.
Não me move qualquer meta. O prazer está na viagem e nos detalhes que atravessam as paragens. Partilhas fortuitas. E não tenho pressa. Deixo-me levar no ritmo da respiração das árvores e no embalo da brisa. Saber que a vida não é uma linha reta e não se compadece com malmequeres proféticos, não me impede de reconhecer às vezes a linguagem íntima da alma quando me cruzo com um aroma distinto. Então tenho rasgos como relâmpagos e alimento-me da embriaguez da música. Dou assim contributos para a combustão dos sonhos. E só me espanta como consigo morrer tantas vezes.
Já pouco ligo às vozes de fora mas ainda preciso disciplinar o espasmo dos dedos. A lucidez é um bisturi que me recorta rigorosamente os olhos sem lhes causar dano. Dói-me a lâmina que os disseca. Nunca os olhos, e só não sei como sair daqui sem sair daqui.


quinta-feira, 26 de maio de 2011

Um Rio Vazio

Desmancha os meus cabelos, como fazes
quando estamos os dois calmos e em paz,
em vazio colóquio - quando estamos
como dois barcos quietos... junto ao cais...

Quando deixamos para trás o mar,
mar de impulsos, de sonhos e desejos,
"quando o teu corpo é um barco ao meu comando
sacudido de ventos e de harpejos...

Já vencemos, os dois, cantos e vagas,
na aventura das horas dionisíacas,
deslumbrados com os próprios temporais...

Desmancha agora, amor, os meus cabelos,
como fazes nas horas de bonança,
quando somos dois barcos, junto ao cais..."

Em teus braços, sou como um barco
desarvorado,
por roteiros perdidos...

E o meu desejo é este vento
que levanta procelas
em teus sentidos...

Ah! Morrer assim
como um marinheiro,
e mergulhar, e me afogar...
... e encontrar meu destino e meu fim
em teu corpo de mar... "


J.G.DE ARAUJO JORGE








Gosto quando me falas de ti... e vou te percorrendo
e vou descortinando a tua vida
na paisagem sem nuvens, cenário de meus desejos
[tranqüilos

Gosto quando me falas de ti... e então percebo
que antes mesmo de chegar, me adivinhavas,
que ninguém te tocou, senão o vento
que não deixa vestígios, e se vai
desfeito em carícias vãs...

Gosto quando me falas de ti... quando aos poucos a luz
vasculha todos os cantos de sombra, e eu só te encontro
e te reencontro em teus lábios, apenas pintados,
maduros,
mas nunca mordidos antes da minha audácia.

Gosto quando me falas de ti... e muito mais adiantas
em teus olhos descampados, sem emboscadas,
e acenas a tua alma, sem dobras, como um lençol
distendido,
e descortino o teu destino, como um caminho certo, cuja
primeira curva
foi o nosso encontro.

Gosto quando me falas de ti... porque percebo que te
[desnudas
como uma criança, sem maldade,
e que eu cheguei justamente para acordar tua vida
que se desenrola inútil como um novelo
que nos cai no chão..."

( Poema de JG de Araujo Jorge do
livro "Quatro Damas" 1a ed. 1965 )